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10 filmes para solteiros no Dia dos Namorados

Calma. Ninguém te está a julgar. Vamos só fingir que ainda não percebeste que o Dia dos Namorados está para o amor como o Natal está para a caridade e que não precisas de um dia especial para fazer juras de amor e oferecer chocolates e que tens algum tipo de problema com isso. Nós percebemos, a sério. Nós sabemos que não depende só de ti. Nós sabemos que no dia 14 de cada fevereiro basta pôr um pé na rua (ou na internet, é a mesma coisa) para sermos bombardeados com corações e beijinhos e comédias românticas. Ou pior – alguma adaptação de um romance do Nicholas Sparks com um casal a beijar-se no cartaz. Também sabemos que estamos a estereotipar, ao dividir as listas em sexos, mas prometemos que é só desta vez.  O que te propomos é simples: filmes-tampão (não te rias), para que este dia passe mais depressa. E tens muito por onde escolher. (Se nenhum destes te parecer bem podes ir ver um filme do Steven Seagal, que nós não te levamos a mal.)

Citizen Kane (1941)

Realizado e protagonizado por um Orson Welles com apenas 26 anos, sendo o seu filme de estreia, Citizen Kane começa com as últimas palavras de Charles Foster Kane no seu leito de morte – “rosebud” – e a consequente busca pelo seu significado às mãos de um grupo de repórteres, numa analepse que nos conta a ascensão e queda do magnata da imprensa.

Para começar esta lista, aquele que é várias vezes apelidado de melhor filme de sempre. A história inspiradora (sem lamechices) de um menino pobre que cresce para ver “o mundo a seus pés”. Rosebud é a palavra-chave. No fim, o que é que realmente interessa?

Les quatre cents coups (1959)

Realizado por François Truffaut aos 27 anos (o padrão é acidental, mas também foi o primeiro filme do realizador), Les quatre cents coups narra a história de Antoine Doinel, personagem recorrente no universo de Truffaut, “sob o signo da mentira e do desenrasque”, que falta às aulas para ir ao cinema ou vadiar com o seu amigo René. Enfim, entra no mundo do banditismo e é enviado para um reformatório.

Atenção: este filme é O coming-of-age dos coming-of-age. E também é a obra magna de François Truffaut. Fazer os quatre cents coups significa viver uma vida demoníaca com noções de boémia e independência – fazer trinta por uma linha com todos os apetrechos da rebeldia ignorante da pré-adolescência. Nunca vais ser um puto rebelde em Paris no anos 50, tudo o que podes fazer é aliviar a mágoa neste filme.

I vitelloni (1953)

Fausto Moretti é moralmente obrigado a casar com Sandra Rubini, irmã do seu amigo Moraldo Rubini, após a ter engravidado. Depois da lua-de-mel, Fausto assenta como empregado numa loja de artigos religiosos. Mas a sua personalidade de galã e vitellone vai deixá-lo mal. Escrito e realizado por Federico Fellini.

Fellini escreveu um filme autobiográfico e colocou-se como personagem secundária, distanciando a sua personagem do seu papel de narrador. A história de cinco vitelloni, bebés grandes, meninos-da-mãe, cus-de-mimo, enfim, na Itália do pós-guerra, com toda aquela aura feérica que só o Fellini conseguia enfiar no seu neorrealismo. Diz-se que a última fala do filme foi dobrada com a voz dele. Se no fim te der a vontade de chorar, está tudo bem. Afinal estás sozinho e ninguém vai ver.

Naked (1993)

 O filme começa com Johnny (David Thewlis) a fugir da cena de uma violação e a roubar um carro. Um dissidente de causa nenhuma e sem intenções consideráveis tenta sobreviver a toda a aspereza de Manchester fugindo para Londres, onde enceta uma jornada quase-épica escrita e realizada por Mike Leigh, que nos apresenta uma tragicomédia (mais trágica que divertida) difícil de amar. “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”, não é?

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Com argumento e a realização de Mike Leigh, temos uma espécie de Cândido às voltas por Londres, numa odisseia à escala reduzida – uma deambulação pela cidade, com tratos ácidos e natureza fortemente existencialista – como se Johnny fosse uma personagem-tipo hipotética, representando todos os pensamentos e desejos reprimidos de uma sociedade impecavelmente suja, paradoxal e padronizada, encarnada naquele anti-herói que aos 27 anos parece ter mais de 40.

Down by law (1986)

Zack (Tom Waits) e Jack (John Lurie) vão parar à prisão depois de serem vítimas de uma cilada. Pouco tempo depois “recebem” um colega de cela, Roberto (Roberto Benigni), um italiano excêntrico que matou um homem com uma bola de bilhar e tem um plano para fugir dali.

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Vê bem: é um filme escrito e realizado pelo Jim Jarmusch, que tem o John Lurie, o Tom Waits e o Roberto Benigni a interpretarem personagens muito iguais a si mesmos. Uma comédia (algo) negra que trabalha mais no desenvolvimento da personagem que na atenção que dá ao enredo. E isso não é problema nenhum. Bónus: tem o Benigni a improvisar sobre a sua mãe.

Vai e vem (2003)

João Vuvu (João César Monteiro) encontra-se sozinho neste mundo, à exceção do filho que está na cadeia condenado por homicídio. Visivelmente abastado, sente-se sozinho na sua ampla e soalheira vivenda. A única coisa que sabe fazer é passear – a pé ou de autocarro – e cuidar dos livros que nunca lê ou dos discos que raramente ouve. Acidentes ocorrem. Peripécias desenrolam-se.

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O derradeiro filme de João César Monteiro, que efetivamente nos deixa com um nó na garganta pelo signo de carta de despedida que carrega. Nem por isso deixa de querer ser polémico e corrosivo – ou é por isso mesmo, que nós já devíamos saber o que a casa gasta. Talvez a melhor interpretação de César Monteiro, sempre no estilo abúlico com que ele reveste as personagens que interpreta, talvez o argumento mais completo, criticando o seu próprio trabalho pela boca dos outros, auto-ironizando a sua imagem, declamando poesia épica ao rodar daquele instrumento musical indiano cujo nome desconheço. O último frame lembra-me algo que li sobre outro filme dele e versa não muito diferente disto: cada um sabe de si, César Monteiro sabe de todos.

 Der siebente kontinent (1989)

Michael Haneke dá-nos a conhecer a vida rotineira e completamente normal de uma família austríaca de classe média que planeia viajar para a Austrália. Mas toda esta calma repetitiva esconde um plano sinistro que não inclui qualquer viagem.

Haneke tem a fama (e o proveito) de ser um dos realizadores mais perturbantes de sempre, sem recorrer ao gore gratuito que te faz aninhar no sofá com nojo. Der siebente Kontinent (O sétimo continente) é um soco no estômago que dura pouco menos de duas horas e que te faz pensar no que é que andas aqui a fazer, afinal.  É aquele lado da vida que os anúncios da Sumol se esquecem de mostrar.

Raging bull (1980)

Bio-pic de Jake LaMotta, realizada por Martin Scorsese. Pugilista filho de imigrantes italianos, LaMotta tem um temperamento aclamado dentro do ringue, mas que em casa cedo se torna num problema. A ascensão em forma de herói e a queda em forma de homem. Pela sua interpretação de Jake LaMotta, Robert DeNiro ganhou o Óscar da Academia para melhor ator.

Provavelmente o melhor filme não-propriamente-de-mas-com porrada, com toda a virtuosidade visual de Scorsese – especial atenção à cena de luta a lembrar a morte no chuveiro em Psycho – e uma interpretação assombrosa de DeNiro. É um clássico supremo do cinema moderno. E tem o Joe Pesci. Toda a gente adora o Joe Pesci.

Kynodontas (2009)

Escrito e realizado por Yorgos Lanthimos, Kynodontas (Canino) narra a história de três irmãos adolescentes, um rapaz e duas raparigas, que, sob a superproteção dos pais, nunca saíram de casa. Os aviões no céu são pequenos brinquedos de plástico, “mar” significa cadeira, o seu avô é o Frank Sinatra e o gato é o animal mais temível de todos. Só quando os seus dentes caninos caírem é que eles poderão sair de casa.

Kynodontas é o L’enfant sauvage dos tempos modernos. Um estudo incisivo (perdão pelo trocadilho) sobre a construção da personalidade e do ser, um ensaio sobre a família e a socialização e um apetitoso filme sobre as consequências da educação. O filme-expoente da nova vaga do cinema grego.

Angst (1983)

Um psicopata sai da prisão depois de cumprir 4 anos de sentença por ter assassinado uma idosa. Cedo sente o desejo de voltar a matar. Ao falhar o homicídio de uma taxista, foge para um bosque. Após vaguear por várias horas, encontra uma casa isolada e decide entrar. Baseado na história verídica de Werner Kniesek, as únicas falas presentes no filme são as do narrador, que cita confissões de assassinos como Peter Kürten.

Um filme nojento, enervante e perturbador (num bom sentido), porque o Dia dos Namorados também consegue ser isso tudo (no sentido contrário).

[Bónus]
The Lord of The Rings Trilogy (2001-2003)

Se o que precisas é de terapia de choque e de estar nove a doze horas isolado do mundo, então faz umas sandes, hidrata-te bem e vê a trilogia completa  The Lord of The Rings.

Podes ler aqui a versão feminina, 10 filmes para solteiras no dia dos namorados.