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Grigris: a dança, a gasolina e o romance

Uma história “à americana” em língua francesa? É o que Grigris, nomeado para a Palma de Ouro em Cannes, parece ser… e em parte, é. Mas há outras coisas que acabam por distinguir este filme curioso, que estreia esta semana em Portugal, pela mão da Medeia Filmes.

Grigris, um rapaz de 25 anos aspirante a bailarino (mesmo que tenha uma das suas pernas completamente paralisada), vive dias atribulados no Chade, com o seu adorado padrasto a enfrentar uma doença cujos tratamentos são demasiado dispendiosos para o limitado rendimento da família. Para o conseguir salvar, Grigris tenta, por todos os meios, obter um trabalho que lhe permita conseguir a soma de que necessita: 700 000 francos. Começa a trabalhar no tráfico de combustível, mas uma decisão precipitada vai alterar a sua vida e gerar alguns acontecimentos conturbados.

Grigris começa com uma impressionante cena de dança, em que o homónimo (interpretado por Souleymane Démé no seu primeiro desempenho no cinema) se encontra no centro da pista do bar onde costuma trabalhar, atraindo a atenção e o entusiasmo dos visitantes do espaço que, extasiados, conseguem captar a energia dos seus movimentos e a irreverência do seu estilo. A sensação que este início deixa no espectador irá repetir-se em todos os outros momentos do filme onde veremos o artista a exercer o seu maior talento.

Mas não é só ele, este protagonista invulgar, que faz o deleite de Grigris, e por isso encontramos um filme que, mais do que agradável e feito de uma forma impecável, alerta para situações sociais (como a vida da comunidade pobre em que ele e os seus familiares se inserem) e culturais (o cruzamento de tribos e pensamentos distintos, e que irão gerar algumas das cenas de conflito e clímax mais interessantes da narrativa) que propiciam outra fonte de destacável e digno interesse.

O realizador, Mahamat-Saleh Haroun, que conta já com 20 anos de carreira, tornou-se um especialista neste tipo de singelos dramas humanos que, ao contrário de pessoas como Lasse Hallström, não aproveita a maleita do personagem principal para desenvolver toda a ação do filme (confinando-a a um elemento de pura lamechice), tornando-se esta como um simples ingrediente que dá um interesse maior à psicologia do indivíduo e às suas capacidades mais invulgares – a maneira como Souleymane utiliza a perna paralisada para os seus números variados de dança é, no mínimo, desconcertante, mas também contagiante.

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Contudo, Grigris não gira à volta disso. E aliás, essa nem é a plot primordial do filme, porque há a tal história da doença do padrasto, e tudo aquilo que a mesma irá condicionar: o novo emprego do jovem (para o qual conseguiu entrar facilmente – mas que depois o irá perseguir, mesmo que ele fuja para o lugar mais remoto de todos), a decisão perigosa que lhe irá arriscar a vida na cidade e a nova vida que terá de escolher, mesmo que isso implique um afastamento total de tudo o que o fez crescer.

E se a interseção entre a história de amor que Grigris irá desenvolver com uma rapariga que conhece nos momentos de dança do bar e as horas de trabalho no tráfico de gasolina consegue crescer numa construção ligeiramente coerente, é no dilema da culpa do protagonista, da sua deficiência e da sua falsa inocência (em relação à namorada, à família, aos perigos que o rodeiam, etc.) e no retrato de um modo de vida dominado pelos preceitos religiosos, pelo guardar de segredos terríveis até à eternidade, e pelo (des)respeito às juras a Alá, que residem as maiores vitórias deste drama exemplar.

Pode não ser o melhor filme do ano, nem uma das melhores promessas do mês, mas Grigris é notável pelos seus valores humanos – e por isto não queremos dizer de algo realista (ou falsamente verídico, à maneira das histórias americanizadas cujo único objetivo é fazer chorar as pedras da calçada), mas o realizador soube filmar os meandros da natureza humana com inteligência, porque não elaborou as suas personagens com cartão e plasticina, em jeito de conto de fada, mas com o que de mais forte e eterno há nas emoções e nas características da nossa espécie.

7.5/10

Ficha Técnica:

Título: Grigris

Realizador: Mahamat-Saleh Haroun

Argumento: Mahamat-Saleh Haroun

Elenco:  Souleymane Démé, Anaïs Monory, Cyril Guei

Género: Drama

Duração: 101 minutos