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“Hollywood, tens cá disto?”: Os Verdes Anos (1963)

“Hollywood, tens cá disto?”: O Lugar do Morto (1984)

2014 voltou a levar António-Pedro Vasconcelos ao topo das bilheteiras nacionais com o seu Os Gatos Não Têm Vertigens, por isso nesta primeira edição da rubrica Hollywood, tens cá disto? em 2015 iremos debruçar-nos sobre o seu primeiro grande êxito cinematográfico, e um dos maiores sucessos de sempre da produção nacional.

O Lugar do Morto estreou em 1984, numa altura em que o cinema português se via na ressaca da ditadura que limitava o trabalho dos nossos cineastas. Vivia-se o início de uma nova era na 7ª arte nacional: rompia-se com o passado, quebravam-se barreiras e instaurava-se uma lufada de ar fresco. Vários foram os filmes que estrearam por esta altura, mas O Lugar do Morto continua a ser o mais emblemático e, na altura, o mais reconhecido e bem sucedido.

Em jeito de thriller policial americano (com um ou outro toque de noir aqui e ali) o filme segue o jornalista Álvaro Serpa durante uma investigação que inicia após assistir ao suicídio de Álvaro Allen, que discutia com uma misteriosa mulher que, ao ver o homem morto, desaparece. Álvaro descobre que o seu nome é Ana Mónica e começa então a procurá-la para desvendar o caso.

É com muitos twists e ainda algumas atenções apontadas a tabus do quotidiano que se desenrola este enredo. Em primeiro plano temos a investigação de Álvaro, que vai seguindo pistas e mais pistas até chegar a Ana Mónica, mas há também lugar à discussão de vários temas como o casamento, o adultério, etc. As duas componentes da narrativa estão muito bem ligadas por um argumento excelente, com linhas de diálogo recheadas de humor negro ou de simples trocadilhos mas também de um cariz poético e enternecedor que torna algumas falas extremamente belas.

E acima de tudo a narrativa mantêm-se sempre inteligente, inclusivamente com alguns pequenos prenúncios do que virá a acontecer de seguida. A forma como a história se vai desenvolvendo faz com que o público tenha que puxar pela cabeça, já que a intriga não se resume a peripécias simples mas sim bastante bem engendradas. Com o passar dos anos algumas cenas a nível visual podem ter perdido a pujança que tinham, é verdade, mas o acompanhar da investigação do protagonista e dos seus relacionamentos familiares (principalmente com o filho mais novo) continuam a tornar a obra extremamente cativante.

Mesmo as imagens continuam bastante interessantes. Algumas já não tão impressionantes como nos anos 80, mas a estética do filme e a realização de um António-Pedro Vasconcelos longe do convencionalismo em que caiu nos últimos anos permanecem curiosas e agora até com um ar vintage. Quem mais ganha com o visual da obra é Ana Zanatti, no papel de Ana Mónica, que alia ao estilo da fita o seu próprio charme, presença e sensualidade, fazendo por vezes lembrar Glenn Close em Atracção Fatal (ou melhor, Close é que faz lembrar Zanatti, porque o seu filme só estreou três anos depois de O Lugar do Morto).

Outra das grandes mais valias do filme é a banda-sonora composta por Alain Jomy (premiada na época no Festival de Huelva), talvez uma das melhores do cinema nacional e que assenta que nem uma luva em cada cena, trazendo por vezes ao de cimo o tom mais sombrio da história e por outras a sua componente mais alegre. Aliás, os temas musicais acabam por ser essenciais para compensar uma certa falta de ritmo existente na narrativa (um dos poucos pontos negativos a apontar na obra), o que faz deles verdadeiros personagens principais.

O Lugar do Morto é um policial made in Portugal, que pega num enredo usual das películas do outro lado do Atlântico e o constrói com ferramentas tão típicas da nossa cultura, quer a nível visual quer a nível de argumento. É um dos grandes representantes de uma fase de mudança no cinema português assinado por um realizador que, como provou no ano passado, continua aqui para as curvas, e uma das obras mais interessantes que a produção nacional já fez nascer.

Hollywood, tens cá disto? promete trazer, mensalmente, até nós aquilo que só Portugal nos dá: o Cinema Português. Não que de Hollywood não cheguem muitos títulos de qualidade, mas de Portugal, ao longo das décadas, têm sido muitos os grandes filmes de que pouco se fala. Esta é a rubrica certa para se falar deles

Ficha Técnica

Realizador: António-Pedro Vasconcelos

Argumento: António-Pedro VasconcelosCarlos Saboga

Elenco: Pedro Oliveira, Ana Zanatti, Teresa Madruga, Ruy Furtado, Isabel-Victoria da Motta

Duração: 120 minutos

8/10