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Reverence Valada, dia 2: a soberania de Sleep

Depois de um primeiro dia inegavelmente promissor, é a energias dobradas que se inicia o segundo dia do Reverence Festival Valada, trazendo ao Cartaxo mais do rock e do metal que tão esmagadoramente pautaram a estreia do evento. Desta vez a três palcos e com quase 17 horas de música ininterrupta, o Parque das Merendas viu-se lotado de festivaleiros ansiosos pelas dezenas de atos a apresentar-se no festival, num dia que deu que falar e que a poucos terá desapontado.

Dadas algumas voltas pelo recinto e apreciados os seusi componentes extra-musicais (entre os quais se dispunham exposições de arte, touros mecânicos e uma especialmente ecléctica Feira das Almas), fez-se hora de rumar para os concertos. Salvo pequenas espreitadelas ao rock dos Fuzz e ao shoegaze de The Dead Mantra, aos quais não apontamos críticas, o primeiro concerto a que assistimos decentemente é ao dos ansiosamente antecipados Stoned Jesus. Tomando o Palco Rio de rajada, o trio de stoner rock de Kiev entregou-se com convicção aos seus riffs rápidos, abrasivos e com precisão cirúrgica, agradando visivelmente ao público, o maior visto até àquele momento no Reverence. Tocando um set constituído pelos vários momentos da sua carreira, com especial predilecção para o seu mais recente trabalho, The Harvest (2015), a energia incansável dos Stoned Jesus valeu-lhes o primeiro grande concerto do dia.

Deslocados pelo calor que se recusava em dar tréguas (Stoned Jesus actuaram com o termómetro acima dos 35 graus, intensificados pela secura da região), foi no Palco Praia que encontrámos os Cheatahs, colectivo britânico de shoegaze e noise. Depois de uma fraca performance no Vodafone Paredes de Coura do ano passado, ainda menos inspirados os encontramos em Valada, constrangidos por problemas de som. Os hits do álbum de estreia estavam lá todos… a banda não hesitou em tocar The Swan ou Cut the Grass em meio a umas tantas outras e alguns novos temas. Mas a flagrante falta de público, que mais se via sentado do que outra coisa, não deixava dúvidas: uma banda de shoegaze na qual o drive não soa vivo e o baixo não faz vibrar nunca será uma banda convincente.

Logo em seguida, partimos para assistir à inauguração do Palco Reverence, onde somos recebidos pelo death metal de Process of Guilt. De longe os mais pesados até à altura, o coletivo português despejou sobre o público do Reverence os seus riffs distorcidos sobre batidas repetitivas que faziam tremer a terra, sempre acompanhados da brutalidade dos vocais guturais do seu frontman. Não faltou audiência para os Process, ainda que o horário acabasse por alienar alguns festivaleiros que permaneciam no campismo, esperando por slots mais valorizados. Não obstante, com um set  de som impecável e a fúria bem assente na ponta dos dedos, o grupo de Évora revelou-se uma das maiores surpresas do festival a nível nacional.

Constrangidos pelos horários sufocantes do festival, que se podem atribuir ao elevado número de bandas aliado à limitada duração do evento, somos obrigados a dividir o tempo dos Process of Guilt com os conterrâneos Los Waves, para os quais retornamos ao Palco Praia. Esta que foi, provavelmente, uma passagem do mais pesado para o mais leve que o cartaz deste Reverence teve para oferecer: o garage e indie rock solarengo dos lisboetas foi uma carta fora do baralho para Nick Allport, organizador do festival, destoando consideravelmente do resto dos grupos trazidos a Valada. “Esperávamos tocar para cinco ou seis pessoas”, confessavam mais tarde os integrantes no backstage, o que não se chegou a verificar: se é verdade que era timidamente que os festivaleiros iam chegando ao Palco Praia a minutos do concerto começar, no final já estava bastante composto o público que dançava ao ritmo dos sucessos de This Is Los Waves So What?, o début da banda. Um momento agradável, que quebrou eficazmente com a corrente interminável de riffs, solos e distorção que é o Reverence Valada.

Infelizmente, as necessidades básicas de vida de campismo impedem assistir a todos os concertos, pelo que só retornamos ao recinto a tempo de ver os segundos cabeças de cartaz, Jon Spencer Blues Explosion, no Palco Reverence. Talvez os mais apropriadamente baptizados de todo este cartaz, a performance de Jon Spencer, Judah Bauer e Russell Simins foi com certeza a mais energética de todo o festival, constituindo uma verdadeira explosão de riffs fundados no blues mas indo buscar muito ao rock, rockabilly, punk e até algum R&B. As músicas eram curtas e incisivas, pontuadas por pausas de não mais que do que alguns segundos e gritos sumários de “blues explosion!” do vocalista Jon Spencer. Mesmo ficando a impressão de que o grupo era desconhecido da maioria da audiência do Palco Reverence, foi com jubilosas ovações que esta recebeu os Jon Spencer Blues Explosion, uma verdadeira injeção de adrenalina antes do tão esperado headliner do dia.

A espera foi eventualmente recompensada, e de que forma. Foi não como headliners, mas como deuses que os pivetais Sleep tomaram o Palco Reverence, frente a uma multidão rendida, boquiaberta do início ao fim do espetáculo. Pudera, não fossem os californianos um dos mais importantes grupos de stoner e doom metal da história (a par dos Electric Wizard, também trazidos ao Reverence Valada, no ano passado), não fizessem parte da setlist os melhores momentos de Dopesmoker Holy Mountain e não fosse esta provavelmente a única oportunidade de os ver ao vivo em Portugal, pelo menos no futuro previsível. O concerto em si é difícil de ser posto em palavras, mas o mínimo que se pode dizer é que tudo estava no lugar: o som era imaculado, o público absorvia a música com um prazer que se estampava na cara de virtualmente todos os presentes, e os Sleep davam uma performance que, para todos os efeitos, roçava a perfeição, sentindo a música que deles emanava com cada fibra do seu ser. Como um sono, a conjugação dos seus instrumentos incitava a um estado de letargia, quase de catarse, a quem o ouvia, como se naquele momento o metal deste trio fosse em simultâneo o mais consonante e o mais esmagadoramente pesado que já se ouviu.

No final, ainda houve tempo para assistir a alguns momentos dos portugueses Saturnia, numa interessante mistura entre o rock psicadélico e os sons orientais. No entanto, depois de Sleep, nada mais importaria: como verdadeiros imperadores, haviam chegado, visto e conquistado, deixando para atrás apenas um zumbido nos ouvidos e a certeza de que quem quisesse bater esta performance teria uma tarefa complicadíssima em mãos. Restou esperar pelo dia seguinte, para ver que mais teria o Reverence Valada a oferecer.

 

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